Geralmente a adolescência é um período que não se associa à ideia de morte. É um período que se relaciona com vitalidade, entusiasmo e ânsia de futuro. No entanto, nos serviços de urgências é cada vez mais frequente o atendimento de jovens que apresentam manifestações emocionais e afectivas, e especialmente de jovens que realizaram um comportamento suicidário. È uma situação que geralmente apanha a todos de surpresa, sobretudo aos pais, que habitualmente pensam ou dizem: “A minha filha nunca fazia uma coisa assim”. 
 
O para-suicídio no adolescenteDiversos estudos epidemiológicos verificam nas últimas décadas um incremento destes comportamentos entre a população jovem; no entanto, o número de tentativas de suicídio que terminam na morte é relativamente baixo, principalmente entre as raparigas. É mais baixo do que em qualquer outra época da vida. Este facto condiciona em muitos profissionais de Saúde uma atitude menos sensível perante o para-suicídio nos jovens por isso ser considerado um gesto banal. Mas toda tentativa de suicídio num adolescente é um sinal de perturbação, e a sua importância não deve ser minimizada. 
 
O suicídio e o para-suicídio nos adolescentes podem ser precipitados por múltiplos factores, às vezes extraordinariamente complexos. Podem ser o ponto final para situações de stress e sofrimentos que atingem proporções elevadas e causam perturbações psicológicas graves, mas também encontramos jovens que se suicidam bruscamente, que eram crianças brilhantes na escola e, de repente, falham quando atingem a adolescência.
 
O perfil do adolescente atendido na consulta de Prevenção de Suicídio dos HUC é definido como: rapariga de 17 anos, de classe social baixa, estudante, com problemas afectivos e académicos, com mau relacionamento familiar, pai autoritário, mãe superprotectora, e história familiar de doenças psiquiátricas, especialmente alcoolismo, e que comete uma tentativa de suicídio por sobredosagem medicamentosa de forma impulsiva, em casa após discussão familiar, como forma de fuga ou agressão (Saraiva, Alte da Veiga et al. 2002).
 
Para ilustrar algumas das situações encontradas na prática clínica descrevem-se a seguir dois casos de jovens com comportamentos suicidários.
 
Dília
Jovem de 18 anos de idade enviada à Consulta de Prevenção do Suicídio após fazer uma tentativa de suicídio tomando 30 comprimidos de ansiolíticos. Referia como motivo o facto de não ter conseguido entrar no curso universitário que os pais esperavam que fizesse. Sentia-se frustrada e revoltada consigo própria. Os pais da Dília estavam muito preocupados e surpreendidos com este comportamento. Nunca imaginaram que a Dília tivesse uma reacção deste género. Era uma rapariga inteligente, boa estudante e com muitos amigos. Namorava desde há 2 anos, com um rapaz com quem tinha algumas discussões por ela não querer ter ainda relações sexuais. Os pais eram uns profissionais bem pagos e nunca lhe faltou nada. Revelava uma personalidade imatura e impulsiva, com sentimentos de vazio quando não atingia os objectivos planeados. Não apresentava sintomas depressivos. Sentia curiosidade pelo que podia haver para além da morte e julgava que a morte podia ser o início de algo diferente.
 
 
Bruno
Jovem de 19 anos que tentou o suicídio por ingestão de um frasco de pesticidas após ruptura com a namorada. Vive com os avós e 3 irmãs mais velhas desde que a mãe faleceu sete meses atrás num acidente de automóvel. Os pais separaram-se quando o Bruno tinha 12 anos. O pai era alcoólico. Não se sente capaz de acabar os estudos depois de ter reprovado dois anos e também não consegue arranjar um emprego. Discutia frequentemente com a mãe e irmãs porque não queria continuar a estudar e julgava que não servia para nada. Tem medo “da dureza da vida” e do futuro. Namorava desde há um ano com uma rapariga da mesma idade, mas os pais dela não gostavam que ela namorasse com ele. 
 
O que encontramos nestes exemplos é um colapso dos modos de lidar com diferentes situações de stress:
 
Dília:
 
  • Acontecimentos desejados que não ocorrem.
  • Acesso à licenciatura desejada frustrado
  • Conflitos afectivos com o namorado (actividade sexual).
 
Bruno
 
  • Acontecimentos significativos da vida. 
  • Separação dos pais
  • Morte da mãe (alteração do estilo de vida)
  • Ruptura com a namorada
 
Situações crónicas indutoras de stress:
 
  • Fracasso escolar
  • Rejeição
  • Dificuldades na comunicação familiar
 
Traumas no desenvolvimento:
 
  • Vítima de maus-tratos por pai alcoólico
  • Ambiente de insegurança
 
Para além dos factores externos de stress são importantes também os factores psicológicos de risco nos comportamentos suicidários. Nos casos relatados podemos encontrar:
 
Dília:
 
  • Tendência ao comportamento impulsivo
  • Negação da importância do acto suicida
  • Rigidez, pensamento dicotómico.
 
 
Bruno:
 
  • Desesperança e pessimismo no futuro
  • Aborrecimento (ausência de estímulos gratificantes)
  • Baixa auto-estima
 
Todos os factores citados podem predispor ao para-suicídio, mas não são responsáveis por si só pelos comportamentos suicidários. É a interacção entre os factores de stress, os aspectos psicológicos do jovem e as suas estratégias para lidar com as ocorrências indutoras de stress que determina ou não as consequências de autodestruição (Paykel, 1975). Desta forma, a dificuldade na resolução de problemas e a falta de mecanismos de “coping” aumenta a taxa de comportamentos suicidários.
 
 
Schmidtke e Schaller (1992) consideram a existência de três estilos cognitivos que têm influência nestes comportamentos: A rigidez, entendida como uma restrição ao estabelecimento de cenários alternativos mais adequados à variação das circunstâncias, o pensamento dicotómico, como forma de organizar os conceitos em apreciações opostas 

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